(...) a voz soava-me familiar.
E foi assim. Num passo quase cerimonial, caminhámos juntos em direcção aos comboios de Santa Apolónia. Paralelo à margem mas em contra-corrente, contrariando o Tejo que corria apressado para o mar, cumprimos a preceito o silêncio com que Lisboa merece ser escutada.
E foi assim. Num passo quase cerimonial, caminhámos juntos em direcção aos comboios de Santa Apolónia. Paralelo à margem mas em contra-corrente, contrariando o Tejo que corria apressado para o mar, cumprimos a preceito o silêncio com que Lisboa merece ser escutada.
Mr. Doe parou e, depois de olhar as horas no relógio que pendia elegantemente do colete, tirou do outro bolso uma cigarrilha que guardava cautelosamente numa caixa dourada.
- "I've heard of Pessoa", disse ele. "Maybe you could teach me some Portuguese for me to better read his poems". --"De tanto Ser, só tenho alma", trauteou por entre os lábios, as palavras misturadas com o fumo.
- "What's the antonym of Ser?" - inquiriu, abrindo ainda mais os olhos azul-saudade.
Nunca. Nunca antes me haviam perguntado tal coisa. Respondi com o silêncio de quem se perde na pergunta e resisti à tentação de dizer "Não Ser".
Sei, do que a gramática me ensinou, que antónimo é diferente de negativo. Sei também, do que a vida me ensinou, que eles facilmente se confundem e atropelam. Ao longo do caminho, vamos nos cruzando com pessoas que nos são antónimo, mas que nunca são, na forma certa, na medida exacta, o negativo de nós. Não tem nada de transcendente ou esotérico. Eu é que tenho dificuldade em explicar. Talvez seja mesmo só gramatical, sei lá.
Sei, do que a gramática me ensinou, que antónimo é diferente de negativo. Sei também, do que a vida me ensinou, que eles facilmente se confundem e atropelam. Ao longo do caminho, vamos nos cruzando com pessoas que nos são antónimo, mas que nunca são, na forma certa, na medida exacta, o negativo de nós. Não tem nada de transcendente ou esotérico. Eu é que tenho dificuldade em explicar. Talvez seja mesmo só gramatical, sei lá.
A vida vai sempre fazer questão de te colocar diante de sinónimos e antónimos do que és. Sei disso hoje, mas não o sabia quando me cruzei com John Doe. Digo-o agora, mas não disse na altura.
Lembrei-me desta conversa com Doe ao pensar na Rafa. E no Hugo. No papel que cada um, mesmo sem o saber, desempenhou neste ano desafiante, em que tantas vezes me perdi de mim. Antónimo. Sinónimo. É preciso tempo para os reconhecer. É preciso atenção para entender a lição que trazem.
Os sinónimos, ao reflectirem a nossa imagem, ensinam-nos que não há mal nenhum em ser um pouco menos do ser que já somos tanto. Mas os antónimos, esses, surpreendem-nos de uma forma deliciosa ao mostrar-nos que podemos ser, sempre, um pouquinho mais do ser que somos pouco.
Antónimo. Sinónimo. E é no balanço dos dois que se esconde o talento de ser.
 |
| Fotografia de Andrea Bertozzini encontrada no Unsplash |
Comentários
Enviar um comentário