«Jack of all trades»,

nunca encontrei expressão equivalente em Português que fosse suficientemente satisfatória, mas lembro-me que foi isto que John Doe me respondeu quando tentei saber o que fazia da vida.

Mr. Doe, nascido e criado em Tower Hamlets, no norte de Londres - mas cuja figura baixa e tez morena dificilmente fariam supor a origem que apenas o sotaque teimava em denunciar - era um verdadeiro coleccionador de empregos. "E desempenhei-os sempre com notável precisão" - dizia ele, enquanto aquiescia com um sorriso que, por momentos, me pareceu triste.

Ser o Jack of all trades tem tendencialmente - mas não necessariamente - uma outra face, tal como uma bateria com cargas opostas. Presumivelmente, será a primeira de carga positiva, enquanto a segunda, master of none é o lado obscuro, o pólo negativo. 


Fotografia de Adam Martinakis

Num mundo que não pára, mesmo quando seria desejável, é mais adaptável quem se transforma de acordo com o contexto, quem se mistura, camuflado, com o ambiente. Este é o princípio darwiniano mais disseminado entre os "camaradas" evolucionistas. E quem faz mais coisas - diferentes - é mais flexível.

Mas quem faz mais coisas diferentes, faz melhores coisas diferentes? 

Ao ouvir a longa lista enumerada por John Doe, tomei consciência de mim própria como uma Jill of all trades. E sempre me senti confortável - e secretamente orgulhosa - com isso, porque sabia que Darwin estava do meu lado. "Ele tinha abençoado as minhas escolhas", pensava eu.

Mas... e este vazio que por vezes surge por saber pouco de muita coisa quando nos cruzamos com quem sabe muito de uma coisa? Não poucas vezes, os Jacks of all trades, os generalistas - como o Mr. Doe, eu própria e muitas das pessoas com quem trabalho - assimilam os outros, os especialistas, com um ar paternalista e heroicamente condescendente, "coitados". 

De que lado está o talento? - Se estiver necessariamente de um dos lados.

Mr. John Doe, de Tower Hamlets, no norte de Londres, sabia fazer muita coisa. Porém, nunca lhe foi reconhecido, tanto quanto se sabe, qualquer talento. Possuía todas as competências, excepto uma: a capacidade de sentir.

Comentários

  1. Seguindo o seu aviso no Facebook ('ATENÇÃO: NÃO leiam isto!') eu não li nem aquilo nem isto, mas apetece-me escrever sobre a dificuldade que cada um tem na descoberta do seu talento, num clima em que nos ensinaram a fazer um bocadinho de tudo e que o saber não ocupa lugar, e por isso escrevo: toda a gente tem um talento; pelo menos um.
    Pode ser o de ler; o de respeitar regras e avisos; o de permanecer invisível, adaptando-se a cada nova necessidade do seu grupo; ou um outro que o faça salientar pela qualidade que atinge.
    Mas, todos temos talento... é preciso é estarmos disponíveis para o descobrir (quando nos tenha parecido ter usado 5 minutos a fazer uma coisa que, afinal, demorou uma hora, devemos reparar nisso...), para o aceitar - que será provavelmente o mais difícil - e para o alimentar.
    Depois, o nosso talento falará por nós...

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