Viral ou Crónico?

 
Sentámo-nos no banco junto à máquina, enquanto degustávamos em silêncio as pipocas, uma após a outra. E assim ficámos nos minutos que se seguiram.
 
Olhávamos o infinito que o trilho das linhas formava, quando decidi ferir o silêncio.

- «Já alguma vez te questionaste sobre a cor do rasto que deixas por onde passas?»
- «Como assim?»

Shoe Salon, um rasto colorido de John Breed 

- «Todos nós deixamos um rasto, e todos os rastos têm uma cor. Mais escura ou mais clara, mais forte ou apagada, consoante o que emanamos de dentro para fora», expliquei.
 
- «Isso parece um pouco fantasmagórico» - afirmou peremptório, com um ligeiro sorriso emoldurado em ironia.
 
Falei-lhe do quanto isto me tem feito sentido nos últimos tempos. E de como me preocupa o facto de nos preocuparmos tão pouco com o que fica de nós nos lugares que foram outrora ocupados pela nossa presença física.
 
Ele não compreendeu.
 
Todos queremos deixar uma marca no mundo. Mas essa marca é, não poucas vezes, de cor tão ténue que rapidamente se desvanece com um vento chamado tempo
 
Runner, de Peter Jansen
A viralidade não me convence; a não ser na gripe que chega forte e passa veloz, lembrando um furacão que não deixa sinais.
 
A não ser assim, não me convence. É uma falsa verdade. Na sua passagem deixa um brilho artificial, que de tão instantâneo se faz desaparecer aos primeiros sinais de ausência de febre.
 
A viralidade não me convence porque continuo a preferir a suavidade segura da cronicidade, do que chega e fica, daquilo que mesmo depois de partir continua presente; em forma de rasto.
 
É fácil conjecturar isto quando se contrasta viralidade e cronicidade, numa espécie de duelo. Tivesse-o eu feito quando tentava explicar a John Doe as cores e intensidades dos diferentes rastos, e teria sido bem mais eficaz.
 
Mas o desafio não está em compreender a dicotomia entre viralidade e cronicidade. O desafio está, sim, em conceber que de tempo em tempo a magia acontece e ambas se juntam numa dança perfeita. Talento.
 
De que cor é o rasto que deixas?

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