"Nunca houve viajante que jamais se tenha perdido..."


Parece ter sido a melhor - ou a única - resposta que encontrou para a minha pergunta mal formulada. Como é que vieste aqui parar?

Mr. John Doe. Guardo-lhe algumas reminiscências: a voz grave, de tom presunçoso - como se espera de britânico que se preze - e com uma leve rouquidão que lhe conferia uma sujidade no timbre e (talvez fosse da minha cabeça) lhe sublinhava os traços magrebinos.

Setembro de 2012. Um ano de estórias partilhadas, nascidas de uma conversa só.
Um ano, e é tão fácil perdermo-nos.

Há tempos lembrei-me dele.

Perdi-me em Lisboa e, no desespero de não ter qualquer perspectiva de caminho, liguei o GPS. Raramente o faço, porque raramente ajuda. Ora, o problema está claramente em mim, incapaz de o programar para que me seja útil.

Mas se estamos perdidos, como é que podemos dar ordens de direcção a uma máquina?

"The Thinker", (talvez o melhor trabalho) de Hiromu Kira

"Nunca houve viajante que jamais se tenha perdido" - repetia as palavras para mim mesma como um mantra, enquanto a minha cabeça as recapitulava no timbre de Doe.

Todos precisamos de um GPS, mas não é do comum Global Positioning System que falo. Precisamos, sim, de activar um outro sistema: Gestão do Próprio Ser.

Auto-equilíbrio, auto-regulação, bussola interna, auto-controlo, inteligência intrapessoal. Não interessa o que lhe chamamos, a essência parece ser sempre a mesma. Quando tudo se torna difuso, quando as emoções ofuscam a linha do caminho, quando tudo se desmorona em caos, algumas pessoas perdem-se e outras não. 

Este GPS, todos nós o temos, mesmo os que de nós se perdem no caminho. Alguns, porém, têm-no mais afinado, melhor calibrado, mais sensível às alterações e, portanto, com maior fiabilidade na medição.


A fotografia é da magnificente Serra da Leba - Angola, pelos olhos de Kostadin Luchansky, considerada pela NG uma das melhores de 2010


É este o GPS que se tem procurado há décadas em gestores, líderes, criadores, heróis. Infelizmente, contudo, tendemos a deificá-lo quando na verdade o devemos humanizar. Os deuses não se perdem, os Homens sim. E só se perde quem ousa iniciar a viagem.

Nunca houve viajante que nunca se tenha perdido.
Mas o talento está em jamais perdermos o Ser, mesmo quando nos perdemos a nós.

Comentários

  1. Será que alguém que se perde a si mesmo, ou se deixa andar perdido, alguma vez deixa de Ser?

    Será que o Ser - Ser plenamente - não depende, em boa medida, das circunstâncias vividas nos momentos em que, supostamente, se esteve 'perdido'?

    Gosto de me perder, quase tanto ( e nem se mais, ou menos...) como gosto dos momentos em que me encontro.

    Adorei este regresso! Um abraço em que nos sintamos encontrados.

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    1. "... só se perde quem ousa iniciar a viagem." Por isso mesmo é que é talento.

      Obrigado, Luís. Que bom reencontro!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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